O que está acontecendo com a Moda – e com o Mundo?
A Semana de Moda de Paris diz muito sobre para onde estamos caminhando
Que a moda reflete os cenários políticos, econômicos e sociais não é novidade. Desde o início de sua história, a moda tem sido um poderoso elemento de comunicação, utilizando a semiótica da indumentária para traduzir o espírito de cada época.
Um dos maiores exemplos dessa relação é a revolução promovida por Coco Chanel nos anos 1920. Após a Primeira Guerra Mundial, o mundo vivia a euforia dos "loucos anos 20", marcada por avanços nos direitos femininos e pelo surgimento de uma sociedade de consumo. Chanel capturou o desejo de liberdade das mulheres ao abolir a cintura marcada dos vestidos, popularizar o corte de cabelo curto (o famoso "chanel”) e utilizar tecidos masculinos, como o tweed, para criar peças que são icônicas até hoje.
Por outro lado, após a Segunda Guerra Mundial, Christian Dior trouxe um novo momento de renascimento com o icônico “New Look”. Com saias volumosas e cinturas bem marcadas, ele simbolizou a recuperação econômica e a feminilidade, desafiando o período de austeridade e escassez com uma moda exuberante que representava prosperidade e esperança.
Já em tempos mais atuais, após a crise financeira global de 2008, o setor da moda refletiu a necessidade de consumo consciente e sustentabilidade. Esse período marcou a ascensão do minimalismo, com peças atemporais e funcionais, e a moda sustentável tornou-se uma prioridade. Stella McCartney destacou-se como pioneira nesse movimento, promovendo peças livres de couro ou peles, em linha com os valores de ética e preservação ambiental.
O que vemos hoje? Uma moda inquietante com red flag
Acompanhando os desfiles da Semana de Moda de Paris – uma das mais importantes do calendário global, se não a mais importante –, observei tendências que despertaram tanto minha atenção quanto meu desconforto. Isso me fez pensar: para onde estamos caminhando? Um frio na barriga surgiu ao refletir sobre o impacto dessas escolhas estéticas no futuro.
Nos desfiles masculinos, vimos uma alfaiataria severa, com linhas rígidas que transmitiam uma sensação de austeridade. Um exemplo marcante foi a coleção de Lanvin, que trouxe cortes estruturados e sombrios, ecoando um clima de controle e contenção.
Na Dior Haute Couture, as "anáguas" volumosas que remetiam a grandes gaiolas pareciam aprisionar novamente a liberdade estética feminina, fazendo-nos revisitar um passado onde o corpo era constrangido por molduras opressivas.
Enquanto isso, na passarela de Jacquemus, que retornou ao calendário oficial após anos de ausência, a cintura simplesmente desapareceu. Essa cintura extremamente marcada e apertada também esteve presente no desfile da icônica Maison Schiaparelli, que exaltou a magreza extrema em um momento onde a obsessão pelo corpo esguio é amplificada pelo uso de Ozempic e Mounjaro.
Ps: Curiosamente, as empresas que fabricam O Ozempic – Novo Nordisk – e o icônico grupo LVMH sempre estão em disputa acirrada sobre o título de marca mais valiosa.
Moda como profecia do futuro
Consegue perceber que esse movimentos na moda não são coincidências isoladas?
Eles refletem, de forma quase profética, os contextos econômicos e sociais que vivemos hoje: a busca pela perfeição corporal em tempos de medicalização extrema, o retorno a estruturas estéticas que reforçam limites e controle, e o eco de crises econômicas em peças que simbolizam rigidez e austeridade.
A moda, mais do que nunca, está interligada com o mundo e funciona como um espelho – e, às vezes, como um alerta – sobre os caminhos que estamos seguindo.
Ps 2: em tempos de polarização é importante ressaltar que esse texto não tem lado partidário. Bjs
Texto impecável !!!! Obg Fê ❤️
Excelentes observações e reflexões 👏